Tratado da Paz Íntima
A paz não é um estandarte a tremular
sobre os escombros de guerras vencidas.
Nem é o silêncio que segue a explosão,
o pó que cai sobre armas esquecidas.
A paz é o rio que nasce no peito,
antes de ser bandeira ou canção.
Os homens tecem acordos em mapas,
assinam fronteiras com tinta e temor,
mas a paz do mundo é um reflexo pálido
da que habita o âmago do ser, sem vigor.
Pois quem não a encontra no passo do vento,
na pétala que cede ao peso da flor,
jamais a verá brotar dos decretos
ou das promessas de um governador.
Há uma paz que não pede licença:
entra pela janela do sono profundo,
mistura-se ao chá das manhãs serenas,
é geografia sem nome, sem mundo.
É a paz do instante que não se explica,
do abraço que não quer aprisionar,
da mente que, como lagoa tranquila,
reflete o céu sem tentar mudar.
Não é ausência de dor ou conflito,
mas a coragem de os enfrentar
sem que o peito vire gaiola de angústia,
sem que o futuro nos force a tremer.
Paz é o agora que respira fundo,
é o passado que aceita descansar,
é o futuro que chega sem pressa,
como onda que não precisa quebrar.
Há quem busque a paz nos altares,
em rituais, em preces ao luar.
Eu a encontro no pão repartido,
na escuta atenta, no simples falar.
Na mão que não fecha para acumular,
no olhar que não julga, apenas vê,
no silêncio que habita entre duas palavras,
no riso que não sabe por que nasceu.
Paz é morada, não é destino.
Não se alcança, desiste-se dela:
entrega o corpo ao ritmo do tempo,
deixa o espírito ser asa aberta.
Não há tratado, nem lei, nem exército
que a conquiste, se antes não vier
a quieta revolução de um suspiro,
a rendição de quem aprendeu a ser.
Assim, no caos que teima em virar história,
na alma que dança entre luz e véu,
a paz plena não é uma utopia —
é o chão que já existe sob os teus pés.
Basta parar. Respirar. E perceber:
o mundo inteiro cabe num só verso,
e a eternidade, num fôlego de paz.
abril 2025
©Júlio Miranda

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