Tinta do Amante Silencioso

I.

Nasci analfabeto das estrelas,
mãos cegas tateando páginas em branco.
Numa sílaba tua, aprendi o alfabeto do mundo
e fiz da carne dos livros meu mapa e destino.

II.

Soletrei “amor” no dicionário da ausência,
tropecei em versos,
pontes quebradas sobre rios de tinta seca.
De Homero a Camões, fui peregrino
nas línguas de um nome não dito.

III.

O tempo trocou de roupa e sotaque:
cartas viraram pixels, suspiros, emojis.
Eu, arqueólogo de afetos defuntos,
guardava pétalas e palavras prensadas
enquanto teu coração mudava de frequência.

IV.

Na idade provecta das letras,
minha pena é folha trémula de outono.
Escrevo, com erro e dor,
este monumento gasto:
que saibas que até o silêncio tem rugas,
mas há amores mudos
erguendo pirâmides com grãos de areia.

V.

Deixo-te estas linhas, mapa imperfeito,
sangue de um homem que aprendeu
a falar por golpes de tinta.
No derradeiro verso, um pedido:
que sopres vida sobre a página branca
onde morram as palavras
que nunca foram tuas.

(Assinado: o louco que trocou a vida
por um acróstico invisível.)

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Nota do poeta louco:
A paixão que não cabe nas letras, migra para as margens do papel. O verdadeiro poema é o tempo que gastamos tentando nomear o indizível. 

fevereiro 2025
©Júlio Miranda

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