Tempestade de Riso e Beijos

Não era brisa, não era sussurro —
era vendaval na curva do lábio,
um trovão de dentes brancos
rasgando o céu do dia cinza.

Risos —
granizo de luz
batendo no telhado da alma,
estilhaços de alegria
cortando a seriedade do mundo.

Beijos
— relâmpagos húmidos
marcando a pele de clarões,
curto-circuitos doces
nas fiações do corpo.

A casa abanava nas fundações,
as paredes riam de cócegas,
os copos tingiam-se de espuma
e o medo voou pela janela
como guarda-chuva ao contrário.

Ele —
boca de ciclone sugando meu ar,
Ela —
olho da tormenta onde o tempo para.
Nossas mãos:
fios soltos no vento,
fazendo curto com o eterno.

Chovia “sim” dentro da sala,
transbordavam “agoras” pelo beiral,
afogavam-se “nuncas” no ralo
enquanto a gargalhada grossa
desentupia o cano do mundo.

Beijo com sabor de riso
— sal e doce misturados —
Riso com gosto de beijo
— espuma e vinho tinto.
Era o carnaval de relâmpagos
dançando em pés descalços
sobre os cacos do sério.

Depois…
a calmaria húmida:
corpos derramados no sofá,
nuvens baixas de suspiro,
o chão espelhado de alegria.
E no telhado da boca,
o pingar lento e claro
do último riso guardado.

Tempestade de Riso e Beijos:
desarruma a casa da alma
mas arrasa o mofo do peito.
Deixa cheiro de ozónio novo,
terra revolvida no peito,
e no quintal do tempo —
um arco-íris de lábios
plantado no céu lavado de nós.

(… e toda vez que chove assim,
eu abro a porta sem guarda-chuva,
esperando teu dilúvio de gozo.)

junho 2025
© Julio Miranda

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