Soneto que Não Ousa Ter Chave de Ouro

Não é soneto, amor. É um verso em fuga
que se perde no mapa do caderno —
rima torta, metáfora vazia
a fingir o que calo no inverno.

(Como fechar catorze linhas certas
se o vento traz teu nome em cada esquina
e o tempo, gatuno de segredos,
me rouba a coragem de destino?)

Escrevo-te em manchas de café frio
na margem onde o verso se devora —
palavras que se arrumam, lentas,
antes de cair, intempestivas, fora.

Invento mil começos: um seria
pelo teu riso que demora no ar
como um verso sem métrica, livre;
outro, pelo silêncio a sussurrar
o que os dedos tremem ao tocar.

Mas tudo se desfaz em labirinto.
Eu, poeta sem chave nem ouro,
deixo a porta aberta de um ponto
final que não soube fechar.

Não é amor: é não-te-amor,
ponte de papel que treme ao vento,
terra sem nome no verso vazio —
mapa de um país por onde não vou.

junho 2025
© Julio Miranda

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