Sombra Fiel de um Sonho Inédito

Nasceu de um pacto entre o escuro e o verbo:
sombra que dança no umbral do improvável,
vestindo a forma do que nunca foi dito.
Sua pele é feita de esquecimento líquido,
matéria que escorre pelos dedos da memória
e desenha, no chão, alfabetos de ausência.

O sonho — fera adormecida na garganta —
rompeu as grades do possível.
Cresceu em espirais, devorando a luz crua,
enquanto a sombra, fiel e faminta,
costurava o silêncio com agulhas de lua.
Nenhum espelho reflete seu rosto:
é mapa sem norte, rio sem margem,
o eco de um passo que ainda não foi dado.

Às vezes, ao cair da tarde,
confundem-na com o voo de um pássaro cego
ou com a cicatriz que um cometa deixou na parede do tempo.
Ela persiste, teimosa,
beijando os restos do sonho devorado:
fragmentos de asas, pó de estrelas mastigadas,
o cheiro do impossível em sua palma vazia.

Na madrugada, quando o mundo se dissolve em névoa,
ela sussurra ao ouvido da aurora:
“Tudo que não ousei carrego em meu dorso,
tudo que não fui é meu único nome.”
E assim caminha, fantasma de um futuro abortado,
enquanto o sol, ourives do efémero,
forja em seu rastro moedas de luz que ninguém gastará.

maio 2025
© Julio Miranda