RITMO ESPIRALADO DE MEL E PÓLVORA

Não nos amamos em linha reta —
espiralamos.
Como a chama que sobe em ziguezagues de âmbar,
como o favo que arde
sem deixar de ser doce.

Teu beijo é um risco de fósforo
na pele nua:
primeiro, o mel (lento, denso,
derramando-se em meandros de luz).
Depois, a pólvora:
o estampido que faz o pulso
bater em compasso de guerra.

(Amor é ritmo duplo:
colmeia e vulcão
compartilhando o mesmo abismo.)

Na primeira volta da espiral,
eras açúcar cristal no meu alvo.
Eu, mina adormecida sob teus passos.
Tocaste-me —
e o que era grão
virou tempestade dourada.

Na segunda volta,
descobrimos a alquimia:
teus dedos na minha nuca
são abelhas operárias
construindo um enxame
de pequenas explosões.
Meus lábios na tua cicatriz
— salitre e hera —
fazem da ferida
um jardim incendiário.

(Sim, o perigo tem sabor de flor:
mastigamos pétalas de risco,
cuspimos fumo de jasmim.)

Terceira volta: clímax espiralado.
O mel escorre entre nossos corpos,
cola coxas, une ventres,
faz ponte de âmbar entre os ossos.
A pólvora?
Já não se distingue do sangue:
somos pavio e labareda,
fogos de artifício subcutâneos
— luz bruta encapsulada em carne.

E quando a espiral aperta,
perguntas no escuro:
“Não te assusta esta química?”
E eu, traçando círculos de boca
no teu ombro-pólvora:
“Toda doçura é filha do fogo, amor.
Até o mel nasce
do risco de ferro na colmeia.”

junho 2025
© Julio Miranda

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