
Riso em Cascata
Não foi som, foi transbordamento.
Uma fonte que jorrava
De um lugar sem nome no peito,
Antes mesmo da garganta.
Alegria pura, crua,
Desatada como rio
Depois da primeira chuva.
Um “Ha!” que escapa,
Depois outro, e outro —
Até virar torrente.
Riso em cascata
Lavando a poeira
Dos ossos cansados.
Amor entrou assim:
Não com promessas,
Mas com uma careta ridícula
Que arrancou do outro
Uma gargalhada tão alta
Que quebrou o gelo
Do silêncio antigo.
Dois tolos sérios
Derretendo-se em cócegas
De alma.
Olhos que se enchem
De água e relâmpagos,
Mãos que seguram a barriga
Como quem ampara
Um terremoto doce.
Riso em cascata
Inundando o espaço
Entre um corpo e outro.
Paixão?
Ah, foi quando o riso
Virou fôlego rouco,
Arquejo entre beijos,
Um soluço de êxtase
Que não cabe em pulmões.
Corpos que tremem
Não de frio, mas de fogo interno,
Quando a piada secreta
Só os dois entendem
Na língua arcaica
Dos amantes.
É o acesso súbito
Que dobra a espinha,
Deixa lágrimas nos cantos
E o abdómen dolorido
De tanto criar
Universos paralelos de gozo.
Riso em cascata
Escorrendo pela pele,
Salgando os lábios.
E depois?
Depois fica o eco molhado
Nos músculos relaxados,
A respiração que volta
Aos poucos, como maré.
A sala ainda vibra
Com o tremor disperso
Das gargalhas.
O ar — mais leve, mais doce —
Carregado de ozono de alegria.
Porque o riso que caiu em cascata
Não evaporou:
Fertilizou o chão
Onde o amor e a paixão
Plantam jardins
De surpresa.
Riso em cascata
Regando as raízes
Do que há de mais vivo
Em nós:
A capacidade absurda
De rir
Até de nós mesmos,
Sob as estrelas.
junho 2025
© Julio Miranda

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