Requiem para um Poeta Louco

A noite teceu um manto de estrelas quebradas
— cacos de vidro no céu, tua última metáfora —
e a lua, pálida testemunha, engoliu seu próprio nome,
enquanto tua pena, feita de osso, escrevia o vazio.

Teu verso era um rio de tinta negra a sangrar
nas páginas em branco, cadáveres de papel.
Inventaste deuses com línguas de serpente
e beijaste o abismo até que ele te devorou.

Dizem que tua voz era uma tempestade presa na garganta,
um lobo uivando ao espelho que não refletia alma.
Agora, só silêncio: o eco de um verso inacabado
rodopiando na garrafa vazia de teus sonhos.

Plantaste rosas no asfalto, regadas com absinto,
e colheste espinhos que dançavam em teus versos.
O relógio, velho carcereiro, mastigou tuas horas,
deixando apenas migalhas de eternidade.

A loucura? Era um barco de papel navegando
no mar de teu crânio, à deriva entre faróis apagados.
E o amor, um fantasma que bebia tua sombra
antes de fugir, descalço, pela porta dos fundos.

Adeus, poeta de chamas azuis e mapas invertidos:
tua boca, um vulcão de versos calados;
tuas mãos, pombas feridas batendo asas no escuro.
O mundo era um palco sem plateia — e tu,
o palhaço que dançou até que a luz se apagou.

Que a terra te seja leve, mas não demais:
que carregues contigo o peso das metáforas não ditas,
e que os anjos, se existirem, leiam teus poemas
com a mesma fome com que devoras o infinito.

Descansa em paz, ou em pedaços —
que até o caos te reconheça como filho.
E quando o vento soprar teus versos pelas ruas,
diremos que é tua alma, ainda louca,
escrevendo elegias nas nuvens.

maio 2025
© Julio Miranda

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