Quando o Corpo Ri com o Coração

Não é só a boca que se abre em arco,
nem os dedos que tremem de leve no ar —
é a pele que canta, os ossos que ecoam
um segredo antigo, um mapa a se revelar.

Há risos que nascem do fundo do peito,
como frutas caídas de uma árvore sem nome,
e o corpo, então, vira um rio desatado,
carregando folhas, luz, raízes de onde vem.

Quantas vezes o coração bateu à porta
e os lábios fingiram ser só cicatrizes?
Mas hoje a gargalhada rasga o silêncio,
e até as lágrimas são pontes, não feridas.

Veja: a criança que corre sem destino,
o idoso que dança com o vento nas mãos —
todos são espelhos do instante em que a carne
se lembra de ser templo, não prisão.

E se um dia a tristeza vier, disfarçada
de lua sem brilho ou relógio parado,
o corpo há de encontrar, nas dobras do tempo,
um riso que o coração já havia guardado.

Porque ri-se melhor quando a alma assina
cada curva, cada tremor, cada voz rouca —
não há fronteira entre o que pulsa e o que toca:
o corpo é a letra, o coração é a boca.

maio 2025
© Julio Miranda

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