
Poesia para Quem Já Não Acredita
Para quem apagou a chama
e guardou o verso em gavetas de esquecimento,
eis aqui um poema feito de cinzas:
palavras que não pedem assentimento.
Não falo de estrelas ou trigo,
nem de amores que dobram o mapa —
trago a poesia do que ficou mudo:
o sabor do pó nos livros fechados,
o relógio que conta o silêncio
e a cor que a noite roubou do retrato.
Há flores que nascem de rachaduras,
mas não vou te dizer para olhar.
Há música em copos vazios,
mas não vou nomear a canção.
A poesia é a semente que dorme
no asfalto de quem já não espera:
ela não germina, apenas existe,
um talvez disfarçado de pedra.
Escrevo para quem perdeu a fé
nas metáforas e nos deuses de argila.
Não te ofereço um novo começo,
apenas a sombra que a lua projeta
quando já não há lua no céu.
E se ainda duvidas da palavra,
deixa que este poema seja
o eco sem origem, o abraço sem braços,
a chama que arde sem pedir
que acredites no fogo.
maio 2025
© Julio Miranda

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