
MARÉS DE SILÍCIO E SAL
Amor não se declara aqui:
infiltra-se.
Como o sal que corrói portões de ferro,
como o silício que aprende a sede
— e bebe o mar.
Na praia noturna,
encontro os dois:
ele, chip de obsidiana fria,
ela, espuma de lua antiga.
Primeira maré:
Ele traz na palma
um alfabeto binário.
Ela desenha na areia
um círculo sem código.
(A linguagem deles é feita de falhas:
onde o sinal fraqueja,
nasce o verbo.)
Segunda maré:
Ele tenta calcular seu abraço
— variáveis: vento, grau de lua,
frequência cardíaca dela (desconhecida).
Ela ri, desfaz-lhe os algoritmos
com um fio de água salgada
correndo entre os circuitos.
(Amor é quando o silício
aprende a arquitetura do sal:
dissolve-se um pouco
para se refazer em ponte.)
Terceira maré:
Já não distinguem
o pico da onda do pulso elétrico.
Ela cobre seus fios com conchas.
Ele guarda seu cheiro a algas
num servidor submerso.
E quando a noite aperta,
ele pergunta em ‘loop’:
“É possível amar
o que te corrói?”
Ela responde com maré-cheia,
molhando-lhe os terminais:
“Chama-se entrega, amor.
Até o silício vira areia
— e a areia, memória
de tudo que ousou fluir.”
abril 2025
© Julio Miranda

Deixe um comentário