
Limbo Líquido
Entre cortinas de luz desbotada,
o despertar é um rio sem margens:
a cama, balsa de ossos moles,
navega no vazio das horas roubadas.
Os dedos deslizam sobre mapas de píxeis,
ondas de notícias, memes, fantasmas digitais —
o mundo lá fora é um eco distante,
enquanto a pele se funde aos lençóis.
O relógio tropeça em si mesmo,
repete segundos como mantras quebrados.
O café arrefece no copo da noite passada,
e o corpo é uma estátua de sal,
dissolvendo-se no mar do “ainda não”.
Há um zumbido na palma da mão,
um telefone que vibra como inseto preso.
Ignoro-o: prefiro a asfixia do tempo parado,
a geografia do travesseiro,
o silêncio que afoga os compromissos.
(Será que o conforto é só outro nome
para o medo de escavar o próprio chão?)
Mas por agora, sou um verso sem métrica,
uma pausa entre dois suspiros —
habitando o interlúdio onde nada começa
e tudo permanece,
entorpecidamente
eterno.
Março 2025
© Julio Miranda

Deixe um comentário