Isto Não Foi Um Beijo, Foi Meteorologia

Quando nossas bocas se abriram em frentes quentes,
não foi paixão:
foi colisão de massas de ar —
tuas palavras, humidade subindo do sul,
meu silêncio, anticiclone estacionário.

O toque dos lábios? Apenas
pressão atmosférica caindo bruscamente
no barómetro da garganta.
E o tremor que seguiu — claramente
sismos de escala Richter
nas placas tectónicas do esterno.

Ah, o suor nas tuas costas
não era desejo:
era orvalho de convecção,
evaporação de frases não-ditas
condensadas em sal.

Atribuíram-nos um romance,
mas nós só registámos
precipitação acumulada
entre lençóis —
água que escorreu de olhos fechados
para poças no colchão.

E o que chamaram de “fogo”?
Simples combustão espontânea
de oxigénio preso
entre dois corpos em advecção.
Até o gemido foi eco
de trovoada distante
rasgando um céu de algodão.

Não, amor:
isto não foi um beijo.
Foi nevoeiro de altitude
dissipando-se ao meio-dia.
Foi mapa sinóptico
com isóbaras apertadas,
vento sul a 40 nós
e um aviso amarelo
para corações costeiros.

No relatório final:
fenómeno transitório.
Sem danos materiais
(apenas um telhado de pele
levemente inclinado
para o lado onde dormias).

maio 2025
© Julio Miranda

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