
Geografia do Ausente
A tarde desenha no muro
a sombra que não te pertence.
O mar, esse antigo alfabeto,
apaga as marés de tua voz.
Na sala, o relógio inventa
horas que já não se cumprem.
A cadeira guarda um vazio
de corpo que a luz não preenche.
As cartas são folhas secas
num outono sem regresso.
Até o sal perdeu seu gosto
— o que é sabor sem lábios?
A distância não é medida
em léguas ou mapas rasgados:
é esta cicatriz no ar,
este silêncio que respiro.
Aprendi a nomear o frio
pelas coisas que já não dizem.
Até o poema se desfaz
em pó de ausência na janela.
(Assim se escreve, lentamente,
a geografia do que falta:
com marés mortas, sal sem nome
e um verso que não encontra porto.)
Março 2025
© Julio Miranda

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