
DE TRANQUILLITATE ANIMI
Anima mea desertum —
(Minha alma é um deserto onde o vento
escreve cartas em alfabeto de espinhos)
Silêncio: o primeiro idioma.
Às vezes, sou um rio que desagua
em copos vazios,
um relógio de areia quebrado
no fundo do bolso do tempo.
Os mapas dizem hic sunt leones,
mas as bússolas apontam para o vazio
que dança na garganta das horas.
Noli turbare circulos meos!
(Arquimedes grita enquanto a cidade
derrete seus ângulos no asfalto)
Invento um jardim na língua:
cultivo verbos no conjuntivo,
podando as sílabas rebeldes.
Quadra para o caos:
O semáforo avariado pisca vermelho
e o trânsito da alma engasga no verso.
No ecrã do telemóvel, um verso antigo:
“O silêncio é o rio que traz o universo.”
À noite, desenho constelações
com migalhas de Wi-Fi.
As estrelas antigas, cobertas de poeira,
sussurram em latim clássico:
“Respira. O abismo também tem um umbigo.”
E no centro do labirinto,
onde o Minotauro dorme
com um fone de ouvido,
encontro a quietude:
uma moeda no fundo do poço,
o eco de um nome que nunca existiu.
Tranquillitas não é lugar, é respiração —
o intervalo entre o raio
e o trovão da existência.
março 2025
©Júlio Miranda

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