
Cartografia Íntima
COORDENADAS INICIAIS: 41°N, PALAVRA-OESTE
No húmido silêncio onde as sílabas germinam,
desdobro o mapa da minha nebulosa interior:
cada estrela, um verso em gestação,
cintilando no útero escuro do papel;
cada constelação, um eco de memórias
que orbitam como cometas na garganta.
O meridiano da infância interceta
a linha do equador do presente —
aqui, as marés das vogais sobem e descem
ao ritmo da respiração dos séculos.
LEGENDA: ◯ SILÊNCIO / ⟡ PALAVRA / ≈ MEMÓRIA
Atravesso o labirinto das consoantes,
onde o “v” de vento se enovela em véus,
e o “s” de saudade serpenteia entre sombras.
Nas fronteiras do alfabeto, encontro
fósseis de palavras nunca pronunciadas —
vestígios de um idioma que o corpo inventou
antes mesmo da primeira lágrima.
Cada diacrítico, um farol em costa escarpada;
cada vírgula, um desvio no rio da sintaxe.
(Desafia-me, navegante:
rasga o véu do grafema,
lê o que as vogais escondem
nos interstícios do invisível.
Cada letra é um portal,
cada acento, uma cicatriz iluminada.
Não temas as reticências…
são apenas constelações submersas
esperando teu olhar cartógrafo.)
ESCALA: 1 VERSO = 1 UNIVERSO
Na orla do fonema, onde o som desfalece,
escuto o murmúrio das sílabas primordiais —
sementes de mundos que a língua não nomeia.
Entre hífens e parênteses, meu “uni—”
é um “Big Bang” contínuo:
o verso explode em espirais de tinta,
e a página, agora, é um céu reverso
onde até o silêncio tem aurora.
Os pontos de interrogação são rios inquietos,
correndo para um mar sem respostas;
as exclamações, montanhas súbitas
no horizonte plano da dúvida.
(Arrisca-te, viajante:
mergulha nas veias do tempo
que correm sob estas letras.
O que chamamos alma
é talvez o rascunho
de um poema
que o universo
ainda não ousou
assinar.)
BÚSSOLA: NORTE-SÍMBOLO / SUL-SIGNIFICADO
Aqui termina o mapa, mas não o território.
Na fronteira do dizível, onde a voz se despe,
há sempre uma sílaba húmida germinando,
um verso-estrela nascendo na nebulosa,
um cometa-palavra regressando à garganta —
eterno ciclo da linguagem que nos habita
enquanto cartografamos o inefável,
enquanto nós mesmos somos
cartografia errante de um infinito sem margens.
fevereiro 2025
©Júlio Miranda

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