Cartografia do Ausente

Há um mapa desenhado a carvão
na pele que o vento não apagou:
cada esquina é um meridiano de silêncio,
cada cidade, um eco de quem partiu.

Os beijos perdidos são bússolas quebradas
— marcam norte onde o tempo é um rio parado,
indicam ilhas de saliva e sombra
onde os lábios ainda são faróis.

Procuro-te na latitude do sal (tua língua
era um idioma de maré alta),
nas longitudes onde o vinho escorria
e o mundo era um compasso sem norte.

Dizem que os oceanos guardam náufragos
e eu navego em coordenadas cegas:
teu nome é um porto riscado a navalha,
teus dedos, rotas que o papel não traça.

Mas há atlas mais fiéis que a memória:
o Sul da tua nuca, o mapa-múndi
que fazíamos com as mãos na cintura,
o equador que dividia a cama em dois hemisférios.

Agora, cartógrafo de ausências,
desenho costelas como linhas de contorno:
os beijos perdidos são cidades-fantasmas
e eu, um viajante sem destino—
só restam fronteiras de respiração
e esta geografia que sangra verso a verso.

abril 2025
© Julio Miranda

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