Autópsia de um Abraço

Na mesa fria do adeus,
abrimos o corpo do gesto:
entre as costelas, um fio de luz —
era o que restava do peso.

As veias, mapas desenhados
a lápis sobre a pele,
guardavam rotas de silêncio
e estações sem réplica.

Os pulmões, dois pássaros secos,
sopravam poeira de nomes:
um sussurro de “sempre”,
uma sílaba de ossos.

As mãos — instrumentos cegos —
mostravam cicatrizes leves:
riscos de unhas, sulcos de medo,
geografia do quase.

O coração, cápsula vazia,
pulsava em negativo:
fotografia antiga
onde o fogo era líquido.

Declaramos a causa última:
Morte por ausência de eixo.
Mas nas lâminas, grudado,
um caco de teu cheiro.

maio 2025
© Julio Miranda

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