Amei e Amo

I. Amei

Eras fogo em sevilhanas, volúpia de canela,
Tua boca, um segredo que o tempo não revela.
Cabelos de outono, olhos de terra molhada,
Sorriso que roubava a luz da alvorada.

Minha pequena ibérica, dançavas em meus versos,
Anos tecidos em vinho, em risos dispersos.
Mas a lua traiu: partiste em silêncio cru,
Levaste o nosso canto para um peito oculto.

Flamenco nos passos, sol nas palavras quentes,
Teu sangue carregava o calor de cem nascentes.
Sevilha em teu gingar, Granada em teu olhar,
Uma Península inteira em teu modo de amar.

Amar é um exílio quando o adeus é faca.
Na sombra do teu nome, ainda ressoa a mágoa:
«Adiós, mi corazón de fuego, verdadero y ardiente,
Tu eco vive en mi sangre… pero te lleva el puente.»

Entre dois mundos

Sozinho fiquei, entre o passar das estações,
O sabor do teu beijo desfeito em recordações.
O tempo, esse velho artesão de esquecimento,
Foi tecendo silêncios, apagando o lamento.

Até que um novo horizonte se abriu ao norte,
Onde o mar escreve histórias de nova sorte.
De Portugal a Inglaterra, da paixão à serenidade,
O amor transformou-se sem perder a verdade.

II. Amo

Ela vem de Inglaterra, onde o mar conta histórias,
Olhos de maré alta, azuis como memórias.
Cabelos de trigal, sorriso que desagua
Na boca do presente — um rio sem mágoa.

Os passos tão serenos, as mãos que o vento enlaça,
Beijos que o tempo aceita, sem pressa, sem cansaço.
Nas tardes de Londres, entre névoa e chá quente,
Seu sotaque de Sussex embala-me docemente.

E no seu peito, ecoa um hino renovado:
A vida não termina onde o amor é achado.
No clarão do seu olhar, renasce a primavera:
«Come, to the wounded heart, to shores where light begins,
Your tide erases shadows…
Love blooms where it once thinned.»

(Dois mundos, um só pulso: amar é ser infinito, é ser bendito.)

março 2025
©Júlio Miranda

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