Aleluia

Amanhece.
O sol desdobra a língua das águas,
e a terra responde com a pele das pedras —
um rio de luz escorre entre os dedos.

Não há altar, só o pão da manhã
partido em silêncio,
o sal do ar que a boca colhe.
A alegria é um ramo de sombra
plantado nos olhos:
o dia nasce intacto, sem nome.

Caminho. Os pés sabem a canção da erva,
o vento traz inscrições de espuma —
não leio, apenas escuto.
O corpo é uma chama que a terra não apaga,
cada passo, um verso que o chão entoa.

Aleluia:
não é hino, é o pêlo do fruto,
o sumo escuro da tarde no umbral dos lábios,
o instante em que a luz solta os cabelos
e a noite ainda dorme na palma da mão.

Celebro o que existe sem perguntar porquê —
a pedra, o fogo, o pó, o sim.
Aleluia:
é o corpo que canta por estar vivo,
um grão de luz cravado no tempo.

Março 2025
© Julio Miranda

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