
Abraço
No intervalo entre dois corpos
há sempre um vazio que se faz ponte.
O silêncio que se quebra
quando os braços cruzam distâncias.
Não é apenas carne contra carne,
nem simples ritual de chegada e partida.
É confissão sem palavras,
um contrato selado na fragilidade.
Dizem que o primeiro gesto de amor
é afastar-se o suficiente para ver o outro.
Mas no abraço, cedemos essa visão
para sentir na pele o que os olhos não captam.
Entre costelas, um coração estrangeiro.
Entre as mãos, uma vida que não nos pertence.
Quantos segredos cabem neste espaço
onde dois se fazem um, por instantes?
Há abraços que são fortalezas,
outros, confissões de medo.
Há os que pedem perdão
e os que já não esperam resposta.
O meu corpo guarda a memória
de todos os que já não posso abraçar.
Arquivos de calor em células que renovam,
mas nunca esquecem o que as habitou.
Talvez o que mais amamos no outro
seja precisamente o que nos escapa,
aquilo que sentimos mas não vemos
quando nos encontramos assim, sem defesas.
Um abraço verdadeiro
é a mais honesta das linguagens:
aquela em que deixamos de ser ilhas
para sermos, por momentos, continentes unidos.
abril 2025
© Julio Miranda

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