A Última Porta que Fechámos

Era outono quando a fechámos,
com um silêncio que doía mais que a ferrugem.
A chave girou devagar, como um suspiro
que se perde nas pregas do tempo.

Na moldura, ficaram retidos
os ecos de risos que o vento não levou:
fantasmas de abraços, sombras de palavras
que agora arranham a tinta descascada.

Dizem que uma porta se fecha para que outra abra,
mas o corredor ficou imóvel, cheio de vazio.
Nas frestas, ainda se espreita o cheiro
do café frio, das manhãs que não regressam.

Há dias em que o peso da maçaneta
me traz a mão de volta ao umbral —
mas o que era casa é agora museu:
paredes vazias, pó a guardar segredos.

A última porta que fechámos
traz no batente a geografia do adeus:
mapas de silêncios, fronteiras de talvez,
e um país sem nome onde o ontem respira.

Ficou entre nós como um véu de névoa,
a separar o sim do nunca mais.
E aprendi que saudade é isto:
uma sala escura onde a luz é memória.

maio 2025
© Julio Miranda

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