
A Carta Que Nunca Foi Enviada
Guardada na gaveta do silêncio,
Entre folhas amareladas pelo tempo,
Descansa a carta que nunca partiu—
Palavras presas em papel e vento.
A tinta azul já desbotou um pouco,
Mas as letras dançam, vivas ainda,
Contando segredos que a boca calou,
Confissões que a coragem não tinha.
“Querido”, começa, e depois vacila,
Como se o destinatário fosse um fantasma,
Ou talvez o remetente é que seja—
Uma sombra escrevendo para o plasma.
Cada linha é um rio não navegado,
Cada vírgula, uma pausa no destino,
Os pontos finais são portas fechadas
Para futuros que ficaram no caminho.
Quem sabe o que teria acontecido
Se o envelope ganhasse um selo e partisse?
Se as palavras cruzassem oceanos,
Se o silêncio, enfim, se despedisse?
Mas algumas cartas nascem para ficar,
São âncoras de “e se” e “talvez”,
Testemunhas mudas de amores não ditos,
De despedidas que nunca se fez.
E assim permanece, dobrada em três,
Como um origami de possibilidades,
A carta que guarda em suas entranhas
Todas as nossas pequenas eternidades.
maio 2025
© Julio Miranda

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