Bom Dia: Receita para Despertar o Sol

O dia amanhece com a língua de luz
lambendo as pálpebras da noite —
o sol mergulha o pincel no mel do horizonte
e pinta a aurora de açúcar e âmbar.

Na cozinha do mundo,
o café é um rio negro a correr pela chávena,
fumegando versos em espiral.
Até as sombras se erguem da mesa
para dançar um bolero com a claridade.

As primeiras andorinhas
costuram o céu com fios de trinado,
enquanto a brisa desdobra seu lençol de segredos:
“Hoje”, sussurra, “as pedras têm sede de flores,
e o relógio aceitou ser poeta por um dia.”

Abro a janela.
O vento entra de mãos dadas com o cheiro de terra,
trazendo notícias de montanhas distantes
que aprenderam a cantar baixinho.
Até as nuvens, preguiçosas,
se deixam mastigar pelo azul.

E eu —
com os dedos manchados de alvorada,
os olhos cheios de asas —
misturo o silêncio ao ruído dos pássaros,
fervento palavras no caldeirão do peito.
O coração da terra pulsa em meu pulso,
o sangue é um mapa de estradas desconhecidas.

Bom dia, dizes.
E o mundo, em resposta,
desata a gravata do céu,
calça os sapatos das nascentes,
entrega-me um verso clandestino
escrito com cinzas de estrelas.

(Tomo cada hora como um pão recém assado,
cada minuto como um rio a atravessar a garganta.
Amanhã? É um cavalo selvagem
que relincha no campo do possível.
Por hoje, basta-me este café,
esta luz que me veste de raiz —
e o verbo amanhecer,
uma semente plantada no osso.)

março 2025
© Julio Miranda

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