Ortografia do Invisível

(por Grafias em Verso)

Entre linhas tortas da caneta desgovernada,
nasce um “frol” — não flor —
com “r” de resistência,
“o” de olvido.
O papel aceita a semente mal escrita,
e do equívoco brota
um jardim de séculos passados.

No meio do verso, um “ss” se infiltra
em “paixão” — vira “paixssão” —
serpente de sibilantes,
hissope de desejos retorcidos.
A língua se enrosca,
mas o coração decifra.

Erro? Talvez.
Mas quem disse que “amorrtágio”
(amor + naufrágio)
não cabe no dicionário das marés?
Afogamo-nos em consoantes inventadas,
enquanto o “ç” de “caça”
— sem cedilha —
nos caça de novo.

A última estrofe teimo sa
em fugir do ponto final.
Deixo-a assim: incomple ta,
porque toda arte é um risco
— até a palavra errada
pode ser um portal.

Março 2025
© Julio Miranda

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