404: O Fim da Linguagem

(Um eco de teclas sem servidor)

Aqui jaz o verbo que rugia em fibras óticas,
a língua de fogo dos satélites apagada:
o mundo é um disco rígido enterrado,
onde os dedos cavam sílabas de argila.

Nossos deuses eram nuvens sem água,
mapas sangrando coordenadas vazias.
Agora, o vento traduz os fios partidos,
enrolando mensagens em espirais de fumo.

Nas ruínas das torres, os corvos aprendem
o alfabeto das baterias descarregadas —
um ping fantasma na garganta do éter,
um download de silêncio nos ossos.

III

Queimamos livros para ver rostos no lume,
mas as telas cinzas não guardam memória:
o último meme foi um grito em pictogramas,
um emoji de crânio sob a lua analógica.

IV

Sussurramos em código Morse
com pedras e relâmpagos,
enquanto os satélites mortos
dançam um lento swing
na órbita do esquecimento.

V

(Alguém, em alguma ilha,
aperta um botão sem luz
e ri de um 404 que só existe
na carne do cérebro —
último backup do humano.)

Epílogo

O novo dialeto é feito de sinais de fumaça
e batidas nas paredes da noite.
Até os sonhos têm lag,
e a voz, quando vem,
vem em ondas curtas —
estática pura,
como sempre foi.

fevereiro 2025
©Júlio Miranda

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