Carrego no peito as vozes de ontem,
ecos de risos que se desenrolam num labirinto de brumas.
Trago memórias remendadas em trapos de luz,
sementes dispersas do que fui e ainda serei.

Lembro amigos que se perderam
na corrente do tempo,
como pássaros que voaram sem me dizer adeus;
e de tantos outros, à margem da atenção,
o amor emudecido na garganta.

Os que esmagaram meu peito, perdoei.
Um gesto tardio, sem alarde nem rancor.
Abraço a ausência dos que amei;
pulsa a saudade.

Há tempos que correram como luz fina pelos dedos,
promessas esquecidas no reflexo de uma janela,
enquanto o vento da vida soprava,
sem tréguas,
levando o que eu não soube guardar.

A imagem da minha mãe se faz brisa
entre as paredes do silêncio,
abrigo terno, do qual a vida me apartou,
e toda a essência do seu cuidado me invade os sonhos,
como asas abertas em noite serena.

Há quem ainda pense em mim
no mergulho das horas,
e eu me descubro pensando neles,
num pêndulo de ausência e presença;
rogo às distâncias que me devolvam a fé nos abraços,
mas as palavras se perdem
pelos caminhos do esquecimento.

Deixei retalhos de vida
em tantos becos da alma,
pedaços de alegria e dor que já não se encaixam,
alguns tingidos de risos antigos,
outros manchados de lágrimas secas,
e tento alinhar o que foi rompido,
mas o tempo boceja indiferente…

A felicidade de outrora
existe como retrato desbotado,
num álbum que minhas mãos hesitam em abrir.
Quem sabe renasça um lume no olhar cansado
para corrigir os erros que deixei florir.

Janeiro 2025
©Júlio Miranda

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