
Geografias do Adeus
I. O Fogo dos Começos
Eram dois corpos mapa, desenhando rotas
no sal do suor, no vinho das manhãs.
O amor era verbo sem passado:
riso que incendiava a noite,
milagre de se encontrar em cada esquina da pele.
II. Ausências Necessárias
Primeiro, as malas foram só visitas breves —
horas contadas em aeroportos, calendários
cheios de cruzamentos a lápis.
Ele trouxe flores de outros fusos;
ela guardou as pétalas como promessas.
III. A Matemática do Desvio
Até que os motivos se alongaram em silêncios.
As palavras dela viraram barcos de papel
— navegavam, mas nunca aportavam nele.
Os olhos dela aprenderam a colecionar tempestades;
as mãos dele viraram museu do que já foi tato.
IV. O Terramoto Sob o Sofá
Um nome que não era o seu escorregou
na conversa, tremor na voz dela.
Ele perguntou ao espelho:
“Quando é que o amor vira acidente geográfico?”
A resposta veio em rios secos e copos vazios.
V. O Amor Impossível como Religião
Ela se confessou a um deus sem altar —
homem de aliança, sorriso emprestado.
Amou nas frestas, fez do segredo um altar.
Escreveu cartas a uma sombra,
enquanto ele apagava fotos como velas.
VI. O Luto dos que Ficaram no Porto
Ele chorou em língua de naufrágio,
contou as estrelas que faltavam no céu dela.
Aprendeu que saudade é um verbo no passado
que teima em conjugar-se no presente.
Até que um dia, a dor virou farrapos.
VII. A Liberdade que Parece Derrota
Ela, por fim, entendeu que conquistara
apenas um eco de um homem dividido.
Ofereceu todas as suas primaveras
a quem só sabia habitar o inverno.
Restou-lhe o sabor amargo de ser só passagem.
VIII. O Regresso ao Centro
Ele, após enterrar o nós em terras baldias,
redescobriu a gramática do sol.
Cicatrizou o atlas do peito com sal e vento.
A vida, afinal, era um rio que não precisava
de margens para ser inteiro.
IX. Epílogo: As Geografias que Restam
Hoje, ele caminha sem bússola,
carrega o amor como horizonte, não como âncora.
Ela, entre ruínas de talvez,
descobre que liberdade tem sabor de ausência
— e ambos, sem saber, navegam mares paralelos.
…
Porque o obscuro da distância não é o espaço,
mas o abismo que cresce quando deixamos
de traduzir a alma do outro.
fevereiro 2025
©Júlio Miranda

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