
Cartografias do Impossível
I.
O caos costura bússolas de névoa,
agulhas imantadas pelo assombro.
No norte impreciso da imaginação,
auroras boreais cicatrizam o céu
– rios de luz no limite do real.
II.
Ao sul da razão, lágrimas cristalizam-se
em algoritmos de pura geometria.
Continentes de gelo derretem-se em verbos,
parágrafos onde o sentido ferve e transborda.
“Assim escreveu o degelo”, murmura o poeta.
III.
No leste insone, relógios geram asas:
horas aladas rompem das engrenagens.
O tempo mastiga seus próprios ponteiros
enquanto um faxineiro cego recolhe
vestígios de eternidade no chão da estação.
IV.
No oeste da linguagem, dicionários germinam.
Cada palavra é uma semente incandescente,
letras brotam como fogo-fátuo nos campos.
Colhemos sílabas radioativas — espantalhos de papel
que vigiam significados sempre em fuga.
V.
No centro do impossível, o poeta descalço
compõe seu último bailado sobre cacos de espelhos.
Agora, seus ossos formam um soneto fóssil:
catorze versos em esqueleto de estrofes,
rimas fraturadas, por onde escorre o sangue da métrica.
Legendas para um atlas do imponderável:
este mapa só existe quando fechamos os olhos
e os dedos traçam rotas de tinta invisível
sobre a pele do mundo – cuidado com o verso
onde um cartógrafo louco ainda esboça
a exata fronteira entre o teu sopro e o meu.
Os espelhos estilhaçados multiplicam-se:
sismógrafos que registam os abalos
de todas as perguntas sem resposta.
Somos fragmentos, ecos errantes
neste atlas infinito do improvável.
fevereiro 2025
©Júlio Miranda

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