
Fiz todos os exames… o médico não a alcançava… Nada na imagiologia! Não figurava em qualquer radiografia, ecografia, nem na grafia que levasse a qualquer cirurgia! Exames ao sangue, à urina e às fezes… tudo inócuo, tudo em vão! Da medicina à metafísica… surreal, mas presente, constante, diária, irreal assiduidade!
Exasperação!
Passei a dar-lhe ‘bom dia’ quando acordava! Afinal, dormia comigo, fora da minha cama, pois à noite, num grito calado dizia-lhe: vai-te, aqui não ficas! Não há lugar para estranhos no meu ninho…. Vai!
Tudo começou numa noite gélida de inverno, em que extenuado adormeci sentado na cama, retorcido, deixando que Mozart me invadisse através de um concerto para piano e orquestra. Seria o ‘Requiem’? Não, esse tinha coro, não piano… Mas a minha memória de antigamente, que seguia em linha reta, agora enrodilha-se em tortuosos novelos. Seria o meu próprio requiem? Olvida!
Nessa noite de janeiro, o stress oblíquo do dia tinha-me arrasado, assoberbado com trabalho minucioso. A concentração absoluta em cada detalhe, junto com a ânsia febril de criar, de enriquecer o meu site com explosões de cor e design, geravam miríades de planos que se acavaleiravam. Nem tinha comido – a criatividade não permitia que acalçasse sequer a mais bela borboleta no meu jardim. Jardim? Que frivolidade!
Uma nota pairava, tremeluzindo acima da escala, enquanto violinos e violoncelos começavam a tecer sua melodia como fios de seda. A orquestra inteira conspirava, enquanto aquela nota rebelde – seria ela a minha dor persistente? – flutuava, desafiando a harmonia estabelecida.
Aperto a cabeça entre as mãos! Não sei nada de música…. Debruço-me sobre o meu quadro digital, onde cores dançam no monitor como pinceladas vivas. O design do site transforma-se num quadro pacífico e ao mesmo tempo multimédia, onde cada pixel respira vida própria.
O rato – que nome ascoso para um instrumento tão presente! – move-se freneticamente sob minha mão enquanto a dor paira, como aquela nota rebelde, bem acima da escala normal de sensações. O maestro da minha consciência tenta regê-la apenas com uma mão, enquanto a outra permanece cravada no sublime do sofrimento.
A juventude radical que um dia me permitiu escalar montanhas e descer rios revoltos agora se transmuta em passos mais medidos, mas não menos intensos. Não uso bengala – que ideia absurda! Ainda vogo nos mares soltos da imaginação, ainda divago de balão pelos céus da criatividade, ainda salto para o abismo (bem! Não exageremos!).
Não sou jovem, mas rejeito o rótulo de velho. ‘Maduro’? Pois seja, como um bom vinho – branco ou tinto, tanto faz! Venha de lá um néctar para acompanhar esta cacofonia de babel!
E a dor, que nasceu naquela noite fria de inverno, para o raio que a parta! No entanto, persiste, companheira indesejada de cada movimento. Nos momentos de assédio de infertilidade criativa, entrego-a ao Olimpo, onde Zeus faz estremecer o universo com seus raios. Mas não basta! Convoco Thor da mitologia nórdica, seu martelo mais potente que a força de Hércules, para martelar esta dor até que ela própria saiba o que é sofrer.
O monitor resplandece em branco, como uma tela aguardando as cores do próximo ato. Qual é a verdadeira imagem da dor? Não falo dos sintomas – alguém já a viu, seja no microscópio ou no telescópio? Seria ela visível se pudéssemos pintar o invisível?
As luzes diminuem gradualmente, como numa sala de concerto após a última nota. O palco esvazia-se, deixando apenas sombras dançantes onde antes havia música e cor. O silêncio cresce, preenchendo cada canto com sua presença espessa.
Mas a dor… ah, a dor fica! Imune à escuridão, resistente ao silêncio, ela permanece – uma nota eternamente suspensa acima da pauta da vida.
janeiro 2025
©Júlio Miranda
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