Diário dos Abraços Ausentes

30 de Maio
Hoje a cama amanheceu mais larga.
O espaço onde teu corpo cabia
virou um mapa de linhas frias —
um continente de algodão e vazio.
Até o sol, ao bater na parede,
desenha um braço que não me envolve.

1 de Junho
Guardei teu cheiro num frasco de vento.
(Um gesto inútil, eu sei.)
Agora, quando a noite aperta,
abro a janela e deixo entrar
a sombra do que nunca mais se fecha:
um abraço que o ar recusa a carregar.

5 de Junho
O sofá tem dois lados.
Um deles acumula
pilhas de minutos não-ditos,
livros que tua mão não vira,
e o eco do meu nome
quando a casa cala fundo.
O outro lado — esse
é só madeira e tédio.

10 de Junho
Os travesseiros aprenderam
a arte de reter fantasmas.
Às vezes, de madrugada,
sinto um peso doce no colo —
quase teu rosto, quase teus dedos…
Mas ao acender a luz:
apenas um novelo de ausência
e o frio crescendo nos ossos.

15 de Junho
Abraço a almofada.
Abraço o vão da escada.
Abraço o retrato na estante.
Abraço o vazio que me abraça.
São todos gestos roubados,
cartas sem remetente,
envelopes cheios de névoa.

20 de Junho
Descobri:
os abraços que não se dão
não morrem.
Eles se transformam
em raízes subterrâneas,
em cicatrizes de ar,
em atlas de lugares
onde o corpo ainda espera
o tremor de outro corpo.Hoje
Escrevo este diário
com os braços cruzados sobre o peito —
uma gaiola de costelas
onde pousam, às vezes,
pombas de um voo interrompido.
Cada entrada é um nó
no fio que esticaste entre nós.
Cada abraço ausente:
uma estrela apagada
iluminando a pele da alma.

maio 2025
© Julio Miranda

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